sábado, 17 de julho de 2010

Alberto diz

"E, todavia, como é difícil explicar-me! Há no homem o dom preverso da banalização. Estamos condenados a pensar com palavras, a sentir em palavras, se queremos pelo menos que os outros sintam connosco. Mas as palavras são pedras. Toda a manhã lutei não apenas com elas para me exprimir, mas ainda comigo mesmo para apanhar a minha evidencia. A luz viva nas frestas da janela, o rumor da casa e da rua, a minha instalação nas coisas imediatas mineralizavam-me, embruteciam-me. Tinha o meu cérebro estável como uma pedra esquadrada, estava esquecido de tudo e no entanto sabia tudo. Para reparar a minha evidência necessitava de um estado de graça. Como os místicos em certas horas, eu sentia-me em secura. Fechei os olhos raivosamente e quis ver. (...) Se tu viesses, imagem da minha condição... Se aparecesses... Como me esqueces tão cedo, como te sei e te não vejo!"


Vergílio Ferreira, Aparição

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